Frankenweenie

Felizmente o filme tem muito mais para dar do que estar a considerar perder tempo com implicações temáticas. Seja ao vermos as transformações maravilhosas de diferentes criaturas em homenagens estilizadas aos monstros clássicos da Universal, desde o famoso Were-Rat ou o macabro Vampire Cat, e com especial enfase em Colossus, a múmia Hamster que faz frente a Shelly, a tartaruga ciclópica que poderia trocar um passo de dança com Godzilla; ou a comédia até que é de facto abrangente a várias idades, e não pode deixar de conquistar a audiência com as mostras de incompreensão da populaça, os habitantes da aldeia que reagem automaticamente com desprazer bélico às experiências de Victor, sempre de archote pronto a queimar uma qualquer criatura monstruosa; ou o famigerado Frankenweenie neste caso, uma criatura de afeto inegável, e com um apelo tão característico, em boa medida carinhoso e cómico, que o tornará decerto num símbolo da infância de muita criança; até a excelente interpretação de Martin Landau no papel de Ryzkruski, o excêntrico professor de ciências que por possuir o dom da razão e conhecimento não mede palavras e se apresenta, tal como os seus pupilos, como um agressor à comunidade, quando não passa de alguém honesto, provido do desplante da ciência – a sequência em que é julgado pela população e se defende apresentando-se como um salvador da razão para a geração infantil de uma comunidade ignorante faz o mote mais relevante por trás do filme: a procura de respostas irá libertar-te, e fazer de ti alvo de ódio pela parte da maioria.

Infelizmente, como o próprio egocentrismo ingénuo de Victor, não é muito desenvolvido.

Mas palmas vão para Weird Girl e o seu gato vidente, Mr Whiskers, em cujo porte estático não posso dizer qual representa melhor uma estátua da morte silenciosa, mas são de uma bizarria apaixonante, um Burton puro, cadavérico e, inexplicavelmente, carinhoso pelo apego à morte, ao frio, ao isolado.

O mestre conseguiu regressar às suas origens visuais e de personalidade, mas a minha dor é patente, porque não há nada para levar para casa de consciência tranquila: aqui celebra-se o eterno retorno dos mortos, o controlo manipulador do balanço universal, sem qualquer peso de consciência, sem sacrifício.

Cortem-se os últimos dois minutos de filme, e este seria uma das melhores obras de Tim Burton. Como se encontra agora, é um passo certo para um bom retorno à forma, um quase excelente filme de infância.

Mas quem sou eu para exigir coisa alguma? Talvez o propósito seja mesmo celebrar a leveza dos desejos, uma mente infantil, preservada em formol, que retrata uma infância perturbada como um sonho a que se aspira, realidade estagnada que nunca pode ser compreendida por adultos nem aspirar a colocar as vontades pessoais de lado em nome de altruísmo. Mas não posso deixar de pensar, emotivamente ingénuo, que trazer um cão de volta à vida, mantê-lo vivo através de constantes descargas de eletricidade que suportem os seus sinais vitais e não deixam os seus órgãos pararem de funcionar, é nega-lo do direito à eutanásia, um direito à morte, e penso que por Burton ignorar aprofundar isso, se revela egoísta.

Há quem goste mesmo assim. Eu certamente gostei. É divertido, de certeza que muitos filhos, primos e sobrinhos irão amar o filme, nem pelos bonequinhos. Só espero que Victor não se apegue demasiado aos pais a ponto de não conseguir tolerar as suas mortes também…mas quem sabe se isso não daria azo a uma sequela?

Filipe Santos

Etiquetas:, , ,

About ossosborea

Como nunca estive legalmente empregado, não posso dizer que estou a um passo do desemprego, mas só com o tempo livre presumido de alguém nesse estado poderia criar este espaço. Bem-vindos e demorem-se, espero que...

Deixe um comentário